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quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

speculum

Houve uma época em que eu pensava que o mundo todo era minúsculo feito um grão de areia, e que um dia iria desbravar todos os seus quadrantes. Travaria batalhas homéricas contra todas as espécies de monstros, fossem eles, marinhos, alados, terrenos ou celestiais. Desnudaria todas as ninfas, princesas, rainhas, deusas, que encontrasse pelo caminho. Seria amado por elas e idealizado como um deus. 

Assim, supondo-me um deus, cresci. Inabalável, como um titã, aguardando o instante do embate. O confronto de fato veio ao meu encontro, não da maneira que eu ansiava, e sim nas duras verdades que a vida nos brinda. O mundo dos sonhos teve de ficar guardado no fundo do bolso, e tive de encarar a realidade concreta, de me saber pequeno e só, num universo infindo e inalcançável.

Quando mirei no espelho e aprofundei o olhar, reparei naquele homem que era até ali me fora um completo estranho.  Olhei dentro de seus olhos e mergulhei na sua melancolia, na sua perplexidade diante do real. Ver a vida como ela é, gela as entranhas, e faz o corpo todo estremecer.  Estremeci.
Dantes
 Teria de principiar por ali, uma nova história, reescrever um novo destino, reerguer tudo o que eu havia posto por terra. Não é simples zerar sua vida, sair do nada, nada saber, nada possuir, além de um punhado suposições e conjecturas. Renascer para a vida é doloroso, e necessário.  Perdoar a si, e pedir perdão a quem de alguma forma ferimos, na longa travessia do sonho para a realidade, é o mais singelo e também o mais significativo dos gestos para a libertação interior. 

Estou principiando a me perdoar, e sei que a batalha será longa e árdua, que haverá quedas, e rupturas externas e internas, terei momentos de luz e outros de trevas. Até lá, seguirei tocando em frente, sem presas, sem rumos, sem fadigas, sem medos. Vivendo!



terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Orgasmo Total

Na eterna busca do orgasmo total, homens e mulheres dividem seus corpos, suas almas, seus mais profundos segredos, com completos estranhos.  Não há mais a necessidade de compartilhar a casa, a cama, os medos, as dúvidas. Tudo se resume a buscar o êxtase momentâneo, que quase nunca é alcançado. E que,  quando o é , traz mais incertezas do que prazer.

A intimidade deu lugar a permissividade, o amor foi subjugado pelo hedonismo, o afeto asfixiado pela indiferença. Muitas vezes se sai da alcova (outras tantas nem é preciso), com um profundo e imenso vazio. Um vazio que brota das entranhas da alma, que grita, que dilacera, que corta e fere na carne. E sangra, sangra sem parar, um sangue invisível, que não pode ser visto, mas que teima em não parar de correr.

As feridas estão ali, claras nítidas e qualquer pessoa mais atenta, facilmente repara nelas. Menos o cumplice/parceiro da transa ocasional, ele é incapaz de ver além de si mesmo. Pra ele quem está ali deitado a seu lado, é apenas um objeto, um fetiche, um símbolo de sua capacidade de sedução, e ardil. É tão invisível, quanto são os móveis de um quarto de motel. Estão ali, mas após sair de dentro dele, é como se nunca tivessem existido.

Na saída um beijo... um te ligo...um pra cada lado...

E uma lágrima que teima em correr no canto do olho...
Dantes

Les liaisons dangereuses

Em 1782 veio a baila um dos maiores pilares da literatura mundial, um livro ácido e profundamente revelador. Seu autor (Choderlos de Laclos), desnudou profundamente as convenções sociais de seu tempo, mostrando de forma tácita até que ponto pode chegar a vaidade humana.

Os personagens são aristocratas que entediados com a sua existência, trocam cartas entre si, tentando destruir e ou arruinar a reputação de seus pares. O Visconde de Valmont e da Marquesa de Merteuil, dedicam-se com um ardor selvagem a manipular e humilhar seus desafetos. Usam a intriga e o jogo de sedução como arma de destruição.

Hoje não existem mais os salões, muito menos a aristrocacia. Mas existe a net, e muitos tentam recriar aqui o mundo descrito pelo Laclos. Não usam mais os mensageiros e suas belas carruagens, sua vida foi facilitada pelo uso do msn, e-mails, depoimento, telefone...

Dantes


segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Solidão

Eu vivi a maior parte de minha existência na mais absoluta reclusão. Fiz da solidão minha maior companheira, varei madrugadas sentado observando as estrelas, e tentando compreender o estigma que os deuses impõem as almas sensitivas.

Senti saudades de coisas e seres que não conheci e que nem eram de meu tempo. Queria viver outra realidade, ser outra coisa além de mim, libertar a alma desse corpo exaurido de tanto receber a incompreensão, e a indiferença de quem mais amava.

Um dia quebrei os elos das correntes que me prendiam ao passado, e me permiti navegar por oceanos que desconhecia, avistei ilhas paradisíacas repletas de sereias, florestas encantadas permeadas por ninfas, e Dríades. Derrotei o Tártaro, que teimava em me oprimir, em uma épica luta, fiz minha cama na relva, onde pode vislumbrar as estrelas acompanhado de Eros e Afrodite.

Hoje não permito que Hades, se perpetue em mim, quando ele tenta se instalar no meu coração, convoco Atena para me dar coragem e sapiência nas horas mais difíceis.

Dantes